Tratamento tributário das subvenções – Lei 14.789/2023

Os últimos dias de dezembro do ano de 2023, como não raro acontece em matéria tributária, trouxeram aos contribuintes alguns “presentes”, por assim dizer, dentre os quais a promulgação da Lei 14.789/2023 (conversão da MP 1.185) que deu todo um novo tratamento tributário às subvenções governamentais.

1. Do histórico relacionado às subvenções governamentais e sua exclusão do IRPJ/CSLL – Julgamentos realizados pelo STJ sobre a matéria

A Lei nº 12.973/2014 dispunha que as subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, não seriam computadas na determinação do lucro real, desde que registradas em reserva de incentivos fiscais, que têm a natureza de reserva de lucros, permitindo-se seu uso apenas para   absorção de prejuízos e aumento do capital. 

Posteriormente, a Lei Complementar nº 160/2017 equiparou as subvenções de ICMS enquadradas como subvenções para custeio a subvenções para investimentos. 

Em novembro de 2017, ao julgar os Embargos de Divergência nº 1.517.492, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que o crédito presumido de ICMS não poderia ser caracterizado como renda ou lucro da pessoa jurídica, uma vez que isso ofenderia o pacto federativo e a segurança jurídica: 

“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. ICMS. CRÉDITOS PRESUMIDOS CONCEDIDOS A TÍTULO DE INCENTIVO FISCAL. INCLUSÃO NAS BASES DE CÁLCULO DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DA PESSOA JURÍDICA – IRPJ E DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO – CSLL. INVIABILIDADE. PRETENSÃO FUNDADA EM ATOS INFRALEGAIS. INTERFERÊNCIA DA UNIÃO NA POLÍTICA FISCAL ADOTADA POR ESTADO-MEMBRO. OFENSA AO PRINCÍPIO FEDERATIVO E À SEGURANÇA JURÍDICA. BASE DE CÁLCULO. OBSERVÂNCIA DOS ELEMENTOS QUE LHES SÃO PRÓPRIOS. RELEVÂNCIA DE ESTÍMULO FISCAL OUTORGADO POR ENTE DA FEDERAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO FEDERATIVO. ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. INCONSTITUCIONALIDADE ASSENTADA EM REPERCUSSÃO GERAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE N. 574.706/PR). AXIOLOGIA DA RATIO DECIDENDI APLICÁVEL À ESPÉCIE. CRÉDITOS PRESUMIDOS. PRETENSÃO DE CARACTERIZAÇÃO COMO RENDA OU LUCRO. IMPOSSIBILIDADE.

(…)

III – Ao considerar tal crédito como lucro, o entendimento manifestado pelo acórdão paradigma, da 2ª Turma, sufraga, em última análise, a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou.

(..)

IX – A tributação pela União de valores correspondentes a incentivo fiscal estimula competição indireta com o Estado-membro, em desapreço à cooperação e à igualdade, pedras de toque da Federação.

(…)

XV – O STF, ao julgar, em regime de repercussão geral, o RE n. 574.706/PR, assentou a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, sob o entendimento segundo o qual o valor de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, constituindo mero ingresso de caixa, cujo destino final são os cofres públicos. Axiologia da ratio decidendi que afasta, com ainda mais razão, a pretensão de caracterização, como renda ou lucro, de créditos presumidos outorgados no contexto de incentivo fiscal.

XVI – Embargos de Divergência desprovidos.

(EREsp n. 1.517.492/PR, relator Ministro Og Fernandes, relatora para acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 8/11/2017, DJe de 1/2/2018.)”

Em abril do ano passado, o STJ julgou os Recursos Especiais nº 1.945.110 e 1.987.158 definindo que somente seria possível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS se observados os requisitos definidos na Lei Complementar nº 160/2017 e na Lei 12.973/2014.

Segundo o STJ, o entendimento não é aplicável ao crédito presumido, na medida em que, por força do que restou decidido no EREsp nº 1.517.492 acima mencionado, o crédito presumido não pode ser tributado pelo IRPJ/CSLL sob pena de ofensa ao pacto federativo. Veja-se as teses firmadas:  

“1. Impossível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos em lei (artigo 10 da Lei Complementar 160/2017 e artigo 30 da Lei 12.973/2014), não se lhes aplicando o entendimento firmado no EREsp 1.517.492, que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.

2. Para a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

3. Considerando que a Lei Complementar 160/2017 incluiu os parágrafos 4º e 5º no artigo 30 da Lei 12.973/2014 sem, entretanto, revogar o disposto no seu parágrafo 2º, a dispensa de comprovação prévia, pela empresa, de que a subvenção fiscal foi concedida como medida de estímulo à implantação ou à expansão do empreendimento econômico não obsta a Receita Federal de proceder ao lançamento do IRPJ e da CSLL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico.”

 

2. Da Lei Federal nº 14.789/2023

Por força da Lei nº 14.789, de 29 de dezembro de 2023, foram alterados diversos dispositivos de outras leis federais para fins de regular o denominado “crédito fiscal” decorrente de subvenção para implantação ou expansão de empreendimento econômico.

Se antes  as subvenções, acaso atendidos os requisitos legais, não deveriam ser computadas na base de cálculo do IRPJ/CSLL, no novo regramento jurídico instituído, o valor das subvenções integra, sim, a base de cálculo destes mesmos tributos.

Todavia, conforme o caso, pode gerar “crédito fiscal” em favor do contribuinte para fins de abatimento do IRPJ/CSLL ou outros tributos federais.

Assim, as pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real que receberem subvenção governamental da União, Estados, DF ou Municípios para implantar ou expandir empreendimento econômico poderão apurar “crédito fiscal” de subvenção para investimento.

Para possível  geração deste crédito fiscal, a Lei nº 14.789, prevê, entre outros requisitos,  a necessidade de habilitação prévia da pessoa jurídica beneficiária da subvenção perante a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, desde que atendidos os seguintes requisitos:

I – ser beneficiária de subvenção para investimento concedida por ente federativo;

II – haver ato concessivo da subvenção editado pelo ente federativo anterior à implantação ou à expansão do empreendimento econômico; e

III – haver ato concessivo da subvenção editado pelo ente federativo que estabeleça expressamente as condições e as contrapartidas a serem observadas pela pessoa jurídica relativas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico.

Ocorre que, não havendo previsão quanto ao tratamento de subvenções outras que não se destinem à implantação ou expansão de empreendimento econômico, ou que, mesmo sendo para tais finalidades, não atendam às exigências da Lei Federal nº 14.789/2023, em interpretação a contrario sensu, aos olhos do fisco passam a integrar a base de cálculo do IRPJ/CSLL.

Bom que se diga que a nova lei também nada fala, de forma específica sobre o crédito presumido. Entendemos que, muito embora o STJ tenha consolidado posição de que o crédito presumido não pode ser tributado pelo IRPJ/CSLL, independentemente de sua classificação como “subvenção” ou “recuperação de custos”, a tendência é que a Receita Federal venha a compreender que, mesmo para o crédito presumido, devem ser observados os requisitos legais previstos na Lei Federal nº 14.789/2023 para que seja possível a geração do crédito fiscal. Ou seja, se inobservados os requisitos, o crédito presumido constituiria receita de subvenção passível de tributação.

Nosso entendimento é que interpretação desta ordem não reflete o melhor Direito. Isso porque, quando do julgamento dos Recursos Especiais nº 1.945.110 e 1.987.158, o STJ foi enfático no sentido de que o afastamento da tributação pelo IRPJ/CSLL dos créditos presumidos de ICMS não decorre da disciplina legal das subvenções, sendo irrelevante enquadrar o crédito presumido como “subvenção para custeio”, “subvenção para investimento” ou “recomposição de custos”, mas sim do fato de que ao tributar o crédito presumido pelo IRPJ/CSLL a União incorre em ofensa direta ao pacto federativo, sendo irrelevantes alterações legislativas promovidas pela União. Veja-se:

“Importante destacar que a fundamentação adotada no julgamento do EREsp 1.517.492/PR foi no sentido de excluir o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL por violação do Pacto Federativo (art. 150, VI, “a”, da CF/88). Desse modo, de acordo com a conclusão a que chegou a Primeira Seção naquela assentada, se mostra irrelevante a discussão a respeito do enquadramento do crédito presumido de ICMS como “subvenção para custeio”, “subvenção para investimento” ou “recomposição de custos” para fins de determinar essa exclusão. Por conseguinte, também decorre da compreensão firmada no ERESP 1.517.492/PR que são irrelevantes as alterações produzidas pelos arts. 9º e 10, da Lei Complementar n. 160/2017 (provenientes da promulgação de vetos publicada no DOU de 23.11.2017) sobre o art. 30, da Lei n. 12.973/2014, ao adicionar-lhe os §§ 4º e 5º, que tratam de uniformizar ex lege a classificação do crédito presumido de ICMS como “subvenção para investimento” com a possibilidade de dedução das bases de cálculo dos referidos tributos desde que cumpridas determinadas condições. Nesse sentido: REsp. n. 1.605.245-RS, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 25 de junho de 2019 e REsp n. 1.825.503/SC, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 13/10/2020.”

3. Judicialização – cenário de incerteza quanto à tributação ou não do crédito presumido de ICMS

Diante do acima descrito, em detrimento da segurança jurídica, a se confirmar a interpretação “ampliada” por parte do fisco federal quanto ao alcance da Lei nº 14.789/2003, de modo a abranger também o crédito presumido eventualmente concedido pelos Estados Membros ou pelo Distrito Federal, mais uma vez o Poder Judiciário, após anos debruçado sob o mesmo tema, lamentavelmente será instado a se pronunciar sobre a matéria.

Por seu turno, o contribuinte continuará no limbo, cercado de incertezas que por certo em nada contribuem para o avanço do país e da atividade produtiva. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

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