STF – Dívida ativa e indisponibilidade de bens

A lei nº 13.606/2018, que alterou a Lei 10.522/2002**, incluiu no ordenamento jurídico previsão no sentido de que, inscrito o crédito tributário em dívida ativa da União, o devedor seria notificado para, em até cinco dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados.

Não efetuado o pagamento, a Fazenda pública estaria autorizada, sem nem mesmo ajuizar execução fiscal, ou seja, sem autorização judicial, a:

I – comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres; e

II – averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis.

Em outras palavras, a partir da vigência da lei nº 13.606/2018, a Fazenda Pública disporia de prerrogativa legal para, sem autorização judicial, tornar indisponíveis bens do contribuinte, além de proceder à averbação, junto aos órgãos de registros de bens (Cartórios de Registro de Imóveis e Detran, por exemplo), da existência do crédito tributário em aberto.

O tema foi levado à apreciação do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento conjunto de seis ADI’s – Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5881, ADI 5886,  ADI 5890, ADI 5925, ADI 5931 e ADI 5932.

Em julgamento finalizado na quarta-feira última (09/12/2020), o Supremo Tribunal Federal entendeu que, dos dispositivos questionados, apenas aquele que tornava indisponíveis os bens do contribuinte seria inconstitucional.

Isso significa dizer que aos olhos do Supremo Tribunal Federal à Fazenda Pública, após mera inscrição em dívida ativa e sem autorização judicial, é dado:

I – comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres; e

II – averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora.

A medida é extremamente preocupante uma vez que, ainda que a indisponibilidade do bem não mais seja efeito “legal” da averbação, a anotação por si só em o condão de “retirar” o patrimônio gravado do mercado.

Assim se afirma pelo simples fato de que, dificilmente, um potencial comprador efetuaria a aquisição, por exemplo, de um imóvel que contenha averbação da inscrição em dívida ativa, por medo de, no futuro, ver anulada ou declarada nula a operação, perdendo o bem pelo qual pagou.

A este fato se soma o disposto no art. 185, do Código Tributário Nacional, segundo o qual “Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa”, salvo na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita.

Basicamente, o que prevê o aludido dispositivo é uma presunção ABSOLUTA de fraude, não admitindo prova em contrário e não cabendo ao adquirente invocar/provar sua boa-fé.

Aliás, a respeito da interpretação do disposto no art. 185, do Código Tributário Nacional, causa espécie o fato de que ganha força entendimento jurisprudencial no sentido de que, mesmo que o alienante disponha de certidão positiva com efeito negativa (caso, por exemplo, de contribuinte com crédito tributário regularmente parcelado), aplicar-se-ia o disposto no art. 185, com a presunção de fraude na operação (vide AgInt nos EDcl no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.249.225 – SC).

Ao que parece, os Tribunais Superiores, sob o fundamento do interesse público na satisfação do crédito tributário, tendem, cada vez mais, a relevar a segurança jurídica e a boa-fé.

No mínimo preocupante esta tendência que, em se consolidando, terá graves consequências econômicas, em especial para o mercado imobiliário e, em última análise, dificultará a satisfação do crédito tributário por inviabilizar a atividade do devedor.

É premente que os Tribunais reflitam acerca da repercussão econômica de suas decisões, não apenas diretamente nos cofres públicos, contribuindo para a sanha arrecadatória do fisco e a autotutela da Fazenda Pública. Imperioso que também tenham em mente a repercussão econômica de suas decisões para a fonte da arrecadação fiscal, ou seja, a iniciativa privada. Um ambiente sem segurança jurídica, em que a boa-fé é “punida”, pautado pela exceção, certamente não vai ao encontro do interesse público.


**Lei nº 10.522

Art. 20-B. Inscrito o crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em até cinco dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados.

§ 1o A notificação será expedida por via eletrônica ou postal para o endereço do devedor e será considerada entregue depois de decorridos quinze dias da respectiva expedição.

§ 2o Presume-se válida a notificação expedida para o endereço informado pelo contribuinte ou responsável à Fazenda Pública.

§ 3o Não pago o débito no prazo fixado no caput deste artigo, a Fazenda Pública poderá:

I – comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres; e

II – averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis.

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